ENTRANDO NO “PORÃO” DA WEB

Em Reading the comments, Joseph Reagle explora o ignorado e polêmico mundo dos comentários on-line

André Bomfim

Amanda Brennan, blogueira responsável pelo site Know Your Meme, uma importante fonte para entender a genealogia dos memes, ostenta em seu pescoço uma corrente com a mensagem “Never read the comments” (“Nunca leia os comentários”). Para ela, os comentários terminam sempre revelando como as pessoas podem usar a web para os fins mais obscuros, como bullying e assédio moral. O jovem professor estadunidense Joseph Reagle resolveu investir seus esforços de pesquisa exatamente nessa porção da web comumente ignorada, polêmica e mal vista. Reading the comments (ainda sem tradução e disponível na Amazon) é um passeio pelos aspectos sociais, culturais e tecnológicos do mundo dos comentários, apelidado pelo autor de “o porão da web” (livre tradução de “the bottom of the web”). “Este livro é sobre aquilo que está nas margens, o que pessoas comuns encontram no cotidiano”, avisa Reagle (p. 16).

comments2.jpgA principal característica da web 2.0, a internet das plataformas sociais, é o seu caráter interativo e reativo. Fomentado em grande parte pelos espaços de conversação, incluindo os fóruns, chats e sistemas de comentários. Desde que ganhamos visibilidade e “voz” nessas plataformas, revelamos o que temos de melhor, mas também de pior. Reagle define um comentário como mensagens reativas, curtas, assíncronas e contextualizadas. Seu conteúdo pode ser um texto, um like ou um voto, por exemplo. Um comentário pode nos ajudar de várias formas, como numa decisão de compra. Mas também é capaz de desencadear dramas pessoais e até crises políticas, a depender do seu teor e contexto.Entre o bem e o mal, o autor desenha as principais funções dos comentários: informar, manipular, aprimorar, depreciar, moldar e confundir (um capítulo reservado para cada uma delas).

De modo irônico, Reagle destaca o fato de que a maioria de nossas decisões hoje em dia dependem dos comentários dos outros. E produzir comentários é também uma das principais atividades de qualquer usuário da web. A Amazon e outros sites de comércio eletrônico, por exemplo, têm nos comentários um importante sistema classificador de produtos. No Goodreads, Rotten Tomatoes e Metacritic avaliamos filmes e livros de acordo com comentários dos outros usuários. Dessa forma, o comentário se tornou uma poderosa ferramenta econômica, capaz de alavancar ou prejudicar produtos e ideias. Nas redes sociais, os comentários e atualizações de status são uma importante ferramenta para moldarmos nossas identidades. Porém, não podemos ignorar o crescente uso desse poderoso recurso para fins de depreciação do próximo, como nas ondas de ataques racistas, xenófobos e misóginos. Haters, trolls e lolz são alguns dos comportamentos listados por Reagle em casos dramáticos como o do jovem Jamey Rodemeyer, que se suicidou aos 14 anos em 2011, após ser vitimado pelo cyberbullying homofóbico.

Diante da inépcia de organizações, veículos de comunicação, celebridades e pessoas comuns em lidar com os comentários, Reagle lembra que a web é simplesmente um espelho da raça humana (o que é “tão Black Mirror”). Ignorar os comentários pode ser o caminho mais simples para se livrar de um problema. Mas asua compreensão pode ser um próspero campo de pesquisa e desenvolvimento de novos negócios. E, sem dúvidas, um valioso caminho para compreender as dinâmicas sociais e culturais dos ambientes digitais.

 

ALGUMAS NOTAS IMPORTANTES

– VALOR ECONÔMICO: Amazon, Goodreads, Expedia e Trip Advisor são exemplos de alguns modelos de negócios milionários baseados no imenso valor dos comentários on-line, incluindo reviews e ratings (p. 43).

-NICHOS: ratings e reviews são particularmente importantes para produtos de nicho ou desconhecidos (p. 46).

CONCRIT: contração de constructive criticism, termo usado nas comunidades de fanfiction para o feedback endereçado ao autor, com sugestões específicas de aprimoramento da obra (p. 79).

FLAMING: comentário nocivo e não producente (p. 79).

– ANONIMATO:  o anonimato está positivamente relacionado à incidência de comportamento hostil. “On-line, as pessoas exibem um comportamento mais informal e igualitário (como entre aluno e professor) e uma desinibição (em forma de flaming, por exemplo)” (p. 94).

TROLL: a linguista Susan Herring define o troll como o sujeito que envia mensagens aparentemente sinceras, criadas para gerar determinadas respostas ou rompantes, capazes de perder tempo somente para provocar discussões fúteis (p. 96).

– ÓDIO: troll, hater ou bully são termos comumente usados para classificar as pessoas que discordam das nossas próprias opiniões. O discurso de ódio pode se alastrar também por imagens, vídeos e gifs perturbadores (p. 99-100).

BASHTAGS: apropriações subversivas da hashtag de um oponente. Reagle cita o exemplo da briga entre machistas e feministas através da apropriação de hashtags como #INeedMasculismBecause e #tellafeministThankyou (p. 116).

– GERAÇÃO Y, NADA!: a pesquisadora Siva Vaidhyanathan contesta a noção de que os jovens são experts digitais. Basta observar que a maioria não é capaz de criar uma página HTML. Além disso, a prática de multitarefas midiáticas está minando a capacidade de concentração e foco das novas gerações (p. 134). Em uma experiência com seus alunos, Reagle adotou um exercício em que os estudantes definiam um objetivo antes de acessar a internet. Após 20 minutos, o professor perguntava aos alunos o que estavam fazendo. Muitos perambulavam como sonâmbulos on-line, sem lembrar-se do objetivo inicial (p. 185).

– LÓGICA DA QUANTIFICAÇÃO: compradores e vendedores são avaliados e classificados (Mercado Livre), motoristas e passageiros também (Uber). Estas medidas de classificação são sujeitas à manipulação e podem reforçar preconceitos sociais (p. 141).

– RUSH AND SLASH EFFECT: os comentários mais imediatos após uma publicação tendem a atrair um maior número de respostas e votos. Além disso, influenciam os comentários seguintes. Um estudo de 2013 mostrou que  entre comentários avaliados positivamente, negativamente ou neutros, os que receberam votos iniciais positivos se tornaram em média 32% mais bem avaliados. O que explica em parte a dinâmica de TRENDING.

 

Sandero R. S. Race

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por Amanda Aouad

Não é de hoje que a publicidade busca o entretenimento para chamar a atenção do seu público-alvo. Produtos chamados de Branded Content (Conteúdo de Marca) são cada vez mais comuns na internet.

Pensando nisso, a Renault encontrou uma forma óbvia e ao mesmo tempo criativa de lançar o seu novo carro, o Sandero R.S. Race, primeiro carro Sport da marca totalmente produzido no Brasil. Com uma websérie, ele conseguiu chamar a atenção, construindo um Branded Content criativo e divertido.

A fórmula é simples, duas equipes em uma disputa com cinco fases que geraram cinco episódios de em média cinco minutos cada. Cada equipe era composta por uma celebridade, um jornalista, um piloto e um fã da marca. A equipe vencedora do desafio daria ao fã um carro Sandero R.S. Race, sendo também uma forma de promoção.

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Comandando a equipe S estava o humorista Antonio Tabet e na equipe R, Felipe Andreoli, ambos conhecidos pela veia cômica , e esse acaba sendo o tom da webserie, vide as piadas, as provocações e as punições para os perdedores. Tanto que, com exceção da última prova, no episódio 5, que foi uma corrida de fato, as tarefas sempre envolviam os carros, mas com alguma questão inusitada, como dirigir por um percurso com o motorista de olhos vendados, ou ter que ler placas na pista passando em alta velocidade.

Com esse formato de competição, a websérie conseguiu ter uma dinâmica interessante, mesclando cenas dos carros na pista que ajudavam a vender o produto, com o burburinho dos bastidores. Provas assim também geram curiosidade e envolvimento. Vide os programas de auditório e reality shows.

Detalhe que a única prova que terminou empatada foi a prova quatro que consistia em um desafio onde as duas celebridades tinham que vender um carro na concessionária. Nenhum dos dois conseguiu e o próprio gerente falou que não era mesmo uma tarefa fácil, tendo naquele dia vendido apenas sete carros.

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Isso não deixa de ser sintomático, como se mostrasse que criar um branded content divertido e chamar a atenção para a marca fosse uma coisa, vender o produto já é outro caso. Envolve outros fatores que uma divulgação sozinha não abrange.

No final, a websérie Sandero R. S. Race se demonstrou uma experiência divertida. Com cortes rápidos e uma montagem dinâmica, nos faz participar junto daquelas provas, torcendo ou não por uma das equipes e conhecendo melhor o carro, principalmente nas provas três e quatro, onde ouvíamos detalhes técnicos do mesmo.

Como a prova quatro demonstrou, eu e muitos dos quase dois milhões de views de cada episódio provavelmente nunca compraremos um Sandero R. S. Race. Mas, algo desse carro e da Renault ficou em nossa mente, construindo alguma ligação inconsciente com a marca que pode vir a se manifestar no futuro. Não deixa, então, de ser um bom branded content.