A apreciação pelas imagens em movimento, a espera pelo próximo filme que passará na televisão e um amor crescente pelo audiovisual. Estes elementos são um tanto clássicos na trajetória de construção da personalidade de um cinéfilo. Estas características não faltaram na vida da crítica de cinema Suzana Uchôa Itiberê, que cedeu entrevista para o Grupo Grim este mês. Contando sobre a sua trajetória e os caminhos que decidiu seguir atualmente, ela aborda questões sobre sua carreira, a sua passagem do impresso para o digital e questões sobre o cenário do cinema nacional. “A crítica será sempre uma forma de dialogar com o público. Acredito que, cada vez mais, esse diálogo ocorrerá mais pela forma oral e visual do que escrita”, explica.
Com uma trajetória que conta com 20 anos de experiência na área, Itiberê acumula passagens por veículos renomados como Grupo Abril e Estadão. No campo da crítica de cinema, escreveu para a Revista SET, de 1996 até 2009. Em seguida, foi editora da Preview, entre 2009 e 2019.
Além de se fazer presente na parte prática de sua profissão, Itiberê direcionou seu caminho para o aprimoramento de seu conhecimento, realizando uma especialização em cinema, pela UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e no AFI (American Film Institut). Durante o ping-pong , a jornalista revela detalhes sobre seu novo projeto, o site OQVER Cinema e Streaming, que está no ar desde janeiro de 2019, no qual é editora-chefe.
ENTREVISTA
ENOE LOPES PONTES – A cinefilia e a paixão pela arte geralmente são traços
característicos de quem escolhe adentrar na área de crítica cultural. Conte como se deu
e como é, atualmente, a sua relação com o audiovisual e como funcionou a escolha
desta profissão para você?
SUZANA UCHÔA ITIBERÊ – A área de humanas sempre foi meu forte na escola e escrever sempre me deu muito prazer. Fiz o curso de Jornalismo pensando em unir o prazer de escrever e o amor pelo cinema. Comecei como estagiária no Estadão nas férias do primeiro ano de Faculdade, na PUC/SP. Meus primeiros passos foram no caderno Cidades. Eu fazia atendimento ao leitor da seção São Paulo Reclama e tinha de reduzir cartas imensas de leitores. Parece bobo, mas ganhei uma habilidade de síntese muito grande por conta disso. Depois, consegui que me demitissem para pegar o FGTS e fui estudar uma temporada na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e no AFI (American Film Institut), em Los Angeles. Foi uma imersão transformadora.
Imagem do AFI (American Film Institut)
ELP – Existem diversas métodos que são apreendidos durante um curso de jornalismo. A forma e as escolhas de quem escreve um texto do gênero são essenciais para a qualidade de tal obra. Na teoria, é preciso elencar questões técnicas, sociais, de referentes à informação. Além disso, há toda a trajetória do autor, que busca se especializar e aprimorar seus conhecimentos. Para você quais são os elementos necessários para ser um bom crítico?
SU – Como disse acima, estudar em Los Angeles foi um privilégio e uma imersão transformadora. Durante o dia, lia livros teóricos, assistia a todos os filmes possíveis (ficava pirada nas locadoras) e tinha aulas de cinema à noite. Então a resposta é estudar o cinema como um todo: sua história, principais movimentos, diretores, estilos, gêneros, técnicas, atores, atrizes. Enfim, se munir com o máximo de informação possível para poder desenvolver um olhar crítico. Lapidar a escrita é fundamental, mas isso realmente vem com a experiência e nunca acaba. É preciso estar informado, porque o cinema sempre reflete o mundo em que vivemos de alguma forma, seja ao olhar para o passado ou retratar o presente.
ELP – Como citado anteriormente, existe, dentro do processo de escrita de um texto que se propõe ser uma crítica, uma gama de técnicas, habilidades e referências posteriores que ajudam a fomentar o material e trazer uma reflexão mais profunda para o leitor. No seu caso, como funciona a fruição e a escrita da sua crítica?
SU – Eu procuro escrever de forma coloquial. Como quero falar com o grande público, evito os textos herméticos, muito intelectualizados e acadêmicos. A ideia é criar um diálogo com o leitor, transmitir uma opinião de forma simples, direta, mas embasada. Daí a importância do estudo. Uma crítica fica muito mais rica quando você situa o filme na obra de um diretor, porque os grandes diretores têm marcas próprias. Também vale observar se ele faz referências a outros filmes, a outros cineastas. É preciso ter olhar atento ao elenco, ao roteiro e aos elementos técnicos (fotografia, música, direção de arte, efeitos etc). Um filme é resultado da união de inúmeras áreas e ver quais funcionam e quais não é o trabalho do crítico. Ele precisa dizer se o filme é bom ou ruim, claro, afinal a crítica serve como guia para o leitor, mas precisa justificar sua opinião com conteúdo.
ELP – O cinema nacional já passou por diversas fases que entraram para a história do país. Cada época foi marcada por uma estilística, um discurso e diferentes potencialidades. De 1990 até a contemporaneidade, viu-se no Cinema da Retomada uma espécie de triunfo e esperança. No entanto, no contexto atual político do Brasil, algumas preocupações se desenham. A partir desta reflexão, como você enxerga o cenário do audiovisual brasileiro de quando você começou a ser crítica para agora?
SU – São poucos os que acreditam em Cultura nesse País. Quando comecei, no início dos anos 90, o então presidente Collor extinguiu a Embrafilmes, o Concine, a Fundação do Cinema Brasileiro, o Ministério da Cultura e as leis de incentivos. O cinema nacional inexistiu nesse período, até a retomada com o governo FHC e a estreia de Carlota Joaquina – A Princesa do Brasil, de Carla Camurati, em 1994. A partir daí, mesmo em meio às dificuldades, o audiovisual nacional viveu uma fase muito produtiva, inclusive com novas distribuidoras nacionais entrando no mercado, como Vitrine Filmes e Supo Mungam, entre outras. Agora, infelizmente, estamos enfrentando a maior crise da história em todos os sentidos, e o cinema é só mais uma vítima. A retomada é incerta, vai acontecer claro, mas serão muitas as dificuldades pela frente, principalmente para as pequenas produtoras e distribuidoras.
Imagem do filme Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, de 1995.
ELP – Além do cenário político, o universo das críticas cinematográficas passou a contar com um número muito maior de indivíduos ativos na área. Pessoas de diferentes profissões e conhecimentos sobre o audiovisual viram na tecnologia e no ambiente digital a possibilidade de publicar e divulgar a sua escrita. Como você enxerga o espaço da crítica nesse território e quais aspectos podem ser comparados com a prática realizada no passado?
SU – O digital abriu um mundo novo realmente. A globalização da informação, o imediatismo, o acesso mais democrático a inúmeros conteúdos e uma nova forma de se expressar. Isso tudo é muito positivo. Mas como toda nova mídia, há coisas boas e ruins. Se no passado os críticos eram mais especializados, mais preparados academicamente e mais respeitados, hoje qualquer um pode falar de cinema nas redes. A nova era é a da oralidade. Para nós, críticos mais antigos e que na grande maioria trabalhava na mídia impressa, criou-se a necessidade de reinvenção. Isso é bom, desafiador, mas acredito que a necessidade do texto seja primordial nos dois casos. É preciso saber escrever bem para falar bem. É preciso ter conteúdo para se destacar entre tantos “críticos” influencers, youtubers etc.
ELP – Neste ano, você inaugurou a plataforma OQVER. Com críticas de cinema e séries, o site parece buscar trazer uma reflexão sobre produções audiovisuais, mas ela também comporta outros conteúdos. Como, em sua totalidade, ele funciona e como o público interage dentro e fora dele? Você possui contato direto com a recepção? Como isto ocorre?
SU – O portal OQVER Cinema & Streaming (www.oqver.net) nada mais é que um reflexo dessa necessidade de reinvenção. Como minhas tentativas de investir no digital pela Preview foram infrutíferas, pois a direção não arreda o pé do impresso, decidi traçar essa caminho sozinha e sair da sociedade. O conteúdo da produção permanece o mesmo, com críticas de filmes do cinema e do streaming, séries, além de trailers e entrevistas – agora em vídeo. O objetivo é facilitar o acesso do usuário ao criar um atalho entre o leitor e o produto. No caso do filme de cinema, abaixo da crítica criamos um botão que dá acesso ao Ingresso.com, direto na página do filme em si. No caso do streaming, colocamos botões das plataformas em que o filme está disponível. É só clicar. O portal é um facilitador. É no instagram (@oqvercinemaestreaming), muito mais que no Facebook, que temos estabelecido melhor conexão com o público.
Print de tela do site OQVER
ELP – Atualmente, a partir das inovações tecnológicas e de fenômenos como o Espalhamento e o entendimento algorítimico das páginas, comunicólogos, pesquisadores e os demais atuantes da área buscam compreender o seu público, se especializar e traçar estratégias para alcançar os resultados mais positivos possíveis. Analisando os consumidores do OQVER, quando acontece o maior índice de interação deles com a plataforma e a página?
SU – O site está ativo desde janeiro de 2019. Foi um ano de muito aprendizado o pouquíssimos ganhos. Ainda estamos muito tímidos quanto aos números de acesso e no fundo acho que esse número nunca será muito grande. O portal será uma vitrine do conteúdo que temos a oferecer e nosso objetivo é fornecer é ampliar a distribuição desse conteúdo para outros meios que possam ser rentáveis. Esse momento de pandemia é de contínua produção, mas também de reflexão sobre formas de monetizar um negócio desse tipo no que chamamos de NOVO NORMAL. Não será fácil.
ELP – Quais elementos do cinema brasileiro e da crítica no Brasil você pensa que irão permanecer no futuro, diante de tantas mudanças velozes que acontecem diariamente na comunicação e na sociedade?
SU – A crítica será sempre uma forma de dialogar com o público. Acredito que, cada vez mais, esse diálogo ocorrerá mais pela forma oral e visual do que escrita. Mas, como disse, é preciso escrever bem para falar bem, então um não elimina o outro. O importante é investir no conteúdo, ficar ligado nas novas mídias que surgirão pela frente e se adequar ao futuro. Não podemos ficar presos às amarras do passado, e sim estar dispostos a nos reinventar quando for preciso. Esse é o desafio. Quanto ao cinema brasileiro, veja um futuro muito complicado pelos próximos anos. Será preciso uma união das esferas público e privada para fazer a máquina andar com força novamente. Vamos torcer….
A seguir, um dos vídeos do canal do OQVER para quem possuir curiosidade de conhecer um pouco dele. No link, é possível conferir a entrevista que Itiberê realizou com a atriz Andrea Beltrão, em setembro de 2019, no período da estreia do longa Hebe – A Estrela do Brasil.