Sobre Grupo Grim

Grupo de Pesquisa Recepção e Crítica da Imagem - Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas / UFBA

Entrevista com a crítica de cinema Suzana Uchôa Itiberê

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A apreciação pelas imagens em movimento, a espera pelo próximo filme que passará na televisão e um amor crescente pelo audiovisual. Estes elementos são um tanto clássicos na trajetória de construção da personalidade de um cinéfilo. Estas características não faltaram na vida da crítica de cinema Suzana Uchôa Itiberê, que cedeu entrevista para o Grupo Grim este mês. Contando sobre a sua trajetória e os caminhos que decidiu seguir atualmente, ela aborda questões sobre sua carreira, a sua passagem do impresso para o digital e questões sobre o cenário do cinema nacional. “A crítica será sempre uma forma de dialogar com o público. Acredito que, cada vez mais, esse diálogo ocorrerá mais pela forma oral e visual do que escrita”, explica.

Com uma trajetória que conta com 20 anos de experiência na área, Itiberê acumula passagens por veículos renomados como Grupo Abril e Estadão. No campo da crítica de cinema, escreveu para a Revista SET, de 1996 até 2009. Em seguida, foi editora da Preview, entre 2009 e 2019.

Além de se fazer presente na parte prática de sua profissão, Itiberê direcionou seu caminho para o aprimoramento de seu conhecimento, realizando uma especialização em cinema, pela UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e no AFI (American Film Institut). Durante o ping-pong , a jornalista revela detalhes sobre seu novo projeto, o site OQVER Cinema e Streaming, que está no ar desde janeiro de 2019, no qual é editora-chefe.

 

ENTREVISTA

ENOE LOPES PONTES – A cinefilia e a paixão pela arte geralmente são traços
característicos de quem escolhe adentrar na área de crítica cultural. Conte como se deu
e como é, atualmente, a sua relação com o audiovisual e como funcionou a escolha
desta profissão para você?

SUZANA UCHÔA ITIBERÊ – A área de humanas sempre foi meu forte na escola e escrever sempre me deu muito prazer. Fiz o curso de Jornalismo pensando em unir o prazer de escrever e o amor pelo cinema. Comecei como estagiária no Estadão nas férias do primeiro ano de Faculdade, na PUC/SP. Meus primeiros passos foram no caderno Cidades. Eu fazia atendimento ao leitor da seção São Paulo Reclama e tinha de reduzir cartas imensas de leitores. Parece bobo, mas ganhei uma habilidade de síntese muito grande por conta disso. Depois, consegui que me demitissem para pegar o FGTS e fui estudar uma temporada na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e no AFI (American Film Institut), em Los Angeles. Foi uma imersão transformadora. 

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Imagem do AFI (American Film Institut)

 

ELP – Existem diversas métodos que são apreendidos durante um curso de jornalismo. A forma e as escolhas de quem escreve um texto do gênero são essenciais para a qualidade de tal obra. Na teoria, é preciso elencar questões técnicas, sociais, de referentes à informação. Além disso, há toda a trajetória do autor, que busca se especializar e aprimorar seus conhecimentos. Para você quais são os elementos necessários para ser um bom crítico?

SU – Como disse acima, estudar em Los Angeles foi um privilégio e uma imersão transformadora. Durante o dia, lia livros teóricos, assistia a todos os filmes possíveis (ficava pirada nas locadoras) e tinha aulas de cinema à noite. Então a resposta é estudar o cinema como um todo: sua história, principais movimentos, diretores, estilos, gêneros, técnicas, atores, atrizes. Enfim, se munir com o máximo de informação possível para poder desenvolver um olhar crítico. Lapidar a escrita é fundamental, mas isso realmente vem com a experiência e nunca acaba. É preciso estar informado, porque o cinema sempre reflete o mundo em que vivemos de alguma forma, seja ao olhar para o passado ou retratar o presente.

ELP – Como citado anteriormente, existe, dentro do processo de escrita de um texto que se propõe ser uma crítica, uma gama de técnicas, habilidades e referências posteriores que ajudam a fomentar o material e trazer uma reflexão mais profunda para o leitor. No seu caso, como funciona a fruição e a escrita da sua crítica?

SU – Eu procuro escrever de forma coloquial. Como quero falar com o grande público, evito os textos herméticos, muito intelectualizados e acadêmicos. A ideia é criar um diálogo com o leitor, transmitir uma opinião de forma simples, direta, mas embasada. Daí a importância do estudo. Uma crítica fica muito mais rica quando você situa o filme na obra de um diretor, porque os grandes diretores têm marcas próprias. Também vale observar se ele faz referências a outros filmes, a outros cineastas. É preciso ter olhar atento ao elenco, ao roteiro e aos elementos técnicos (fotografia, música, direção de arte, efeitos etc). Um filme é resultado da união de inúmeras áreas e ver quais funcionam e quais não é o trabalho do crítico. Ele precisa dizer se o filme é bom ou ruim, claro, afinal a crítica serve como guia para o leitor, mas precisa justificar sua opinião com conteúdo.

ELP – O cinema nacional já passou por diversas fases que entraram para a história do país. Cada época foi marcada por uma estilística, um discurso e diferentes potencialidades. De 1990 até a contemporaneidade, viu-se no Cinema da Retomada uma espécie de triunfo e esperança. No entanto, no contexto atual político do Brasil, algumas preocupações se desenham. A partir desta reflexão, como você enxerga o cenário do audiovisual brasileiro de quando você começou a ser crítica para agora?

SU – São poucos os que acreditam em Cultura nesse País. Quando comecei, no início dos anos 90, o então presidente Collor extinguiu a Embrafilmes, o Concine, a Fundação do Cinema Brasileiro, o Ministério da Cultura e as leis de incentivos. O cinema nacional inexistiu nesse período, até a retomada com o governo FHC e a estreia de Carlota Joaquina – A Princesa do Brasil, de Carla Camurati, em 1994. A partir daí, mesmo em meio às dificuldades, o audiovisual nacional viveu uma fase muito produtiva, inclusive com novas distribuidoras nacionais entrando no mercado, como Vitrine Filmes e Supo Mungam, entre outras. Agora, infelizmente, estamos enfrentando a maior crise da história em todos os sentidos, e o cinema é só mais uma vítima. A retomada é incerta, vai acontecer claro, mas serão muitas as dificuldades pela frente, principalmente para as pequenas produtoras e distribuidoras.

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Imagem do filme Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, de 1995.

 

ELP – Além do cenário político, o universo das críticas cinematográficas passou a contar com um número muito maior de indivíduos ativos na área. Pessoas de diferentes profissões e conhecimentos sobre o audiovisual viram na tecnologia e no ambiente digital a possibilidade de publicar e divulgar a sua escrita. Como você enxerga o espaço da crítica nesse território e quais aspectos podem ser comparados com a prática realizada no passado?

SU – O digital abriu um mundo novo realmente. A globalização da informação, o imediatismo, o acesso mais democrático a inúmeros conteúdos e uma nova forma de se expressar. Isso tudo é muito positivo. Mas como toda nova mídia, há coisas boas e ruins. Se no passado os críticos eram mais especializados, mais preparados academicamente e mais respeitados, hoje qualquer um pode falar de cinema nas redes. A nova era é a da oralidade. Para nós, críticos mais antigos e que na grande maioria trabalhava na mídia impressa, criou-se a necessidade de reinvenção. Isso é bom, desafiador, mas acredito que a necessidade do texto seja primordial nos dois casos. É preciso saber escrever bem para falar bem. É preciso ter conteúdo para se destacar entre tantos “críticos” influencers, youtubers etc.

ELP – Neste ano, você inaugurou a plataforma OQVER. Com críticas de cinema e séries, o site parece buscar trazer uma reflexão sobre produções audiovisuais, mas ela também comporta outros conteúdos. Como, em sua totalidade, ele funciona e como o público interage dentro e fora dele? Você possui contato direto com a recepção? Como isto ocorre?

SU – O portal OQVER Cinema & Streaming (www.oqver.net) nada mais é que um reflexo dessa necessidade de reinvenção. Como minhas tentativas de investir no digital pela Preview foram infrutíferas, pois a direção não arreda o pé do impresso, decidi traçar essa caminho sozinha e sair da sociedade. O conteúdo da produção permanece o mesmo, com críticas de filmes do cinema e do streaming, séries, além de trailers e entrevistas – agora em vídeo. O objetivo é facilitar o acesso do usuário ao criar um atalho entre o leitor e o produto. No caso do filme de cinema, abaixo da crítica criamos um botão que dá acesso ao Ingresso.com, direto na página do filme em si. No caso do streaming, colocamos botões das plataformas em que o filme está disponível. É só clicar. O portal é um facilitador. É no instagram (@oqvercinemaestreaming), muito mais que no Facebook, que temos estabelecido melhor conexão com o público.

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Print de tela do site OQVER

 

ELP – Atualmente, a partir das inovações tecnológicas e de fenômenos como o Espalhamento e o entendimento algorítimico das páginas, comunicólogos, pesquisadores e os demais atuantes da área buscam compreender o seu público, se especializar e traçar estratégias para alcançar os resultados mais positivos possíveis. Analisando os consumidores do OQVER, quando acontece o maior índice de interação deles com a plataforma e a página?

SU – O site está ativo desde janeiro de 2019. Foi um ano de muito aprendizado o pouquíssimos ganhos. Ainda estamos muito tímidos quanto aos números de acesso e no fundo acho que esse número nunca será muito grande. O portal será uma vitrine do conteúdo que temos a oferecer e nosso objetivo é fornecer é ampliar a distribuição desse conteúdo para outros meios que possam ser rentáveis. Esse momento de pandemia é de contínua produção, mas também de reflexão sobre formas de monetizar um negócio desse tipo no que chamamos de NOVO NORMAL. Não será fácil.

ELP – Quais elementos do cinema brasileiro e da crítica no Brasil você pensa que irão permanecer no futuro, diante de tantas mudanças velozes que acontecem diariamente na comunicação e na sociedade?

SU – A crítica será sempre uma forma de dialogar com o público. Acredito que, cada vez mais, esse diálogo ocorrerá mais pela forma oral e visual do que escrita. Mas, como disse, é preciso escrever bem para falar bem, então um não elimina o outro. O importante é investir no conteúdo, ficar ligado nas novas mídias que surgirão pela frente e se adequar ao futuro. Não podemos ficar presos às amarras do passado, e sim estar dispostos a nos reinventar quando for preciso. Esse é o desafio. Quanto ao cinema brasileiro, veja um futuro muito complicado pelos próximos anos. Será preciso uma união das esferas público e privada para fazer a máquina andar com força novamente.  Vamos torcer….

 

A seguir, um dos vídeos do canal do OQVER para quem possuir curiosidade de conhecer um pouco dele. No link, é possível conferir a entrevista que Itiberê realizou com a atriz Andrea Beltrão, em setembro de 2019, no período da estreia do longa Hebe – A Estrela do Brasil.

 

Crítica: Força Maior

por Murilo Nogueira dos Anjos [1]

Força Maior

O casal Ebba (Lisa Kongsli) e Thomas (Johannes Kuhnke) junto com seus filhos, Vera (Clara Wettergren) e Harry (Vincent Wettergren) decidem passar suas férias em um hotel na região dos Alpes Franceses. A ideia da esposa é que Thomas possa estar mais próximo da família. Na primeira cena em que estão reunidos, todos aparecem tirando fotos e é possível captar uma felicidade presente.  Entretanto, é possível perceber que há um incômodo no contato entre Ebba e Thomas quando o fotógrafo pede para que se abracem. Os gestos dessa sequência são sutis, mas a música que desponta depois, demonstra, de maneira mais evidente, a existência de algo insólito. O famoso concerto Summer, de Vivaldi, como seu nome aponta, se contrapõe a natureza gélida e de neve abundante do local.

Em uma cena de grande impacto, uma avalanche surge. Inicialmente, a família, assim como a câmera, permanece estática, porém, rapidamente, o deslizamento parece se tornar maior e, a atitude do pai da família vai gerar um desconforto em todos: Thomas foge, deixando Ebba e seus dois filhos para trás. A avalanche, afinal, não atingiu o local em que estavam reunidos, criando apenas uma névoa de gelo, porém, a sua passagem acaba causando um abalo estrutural entre os cônjuges.

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Essa é a premissa de Força Maior, do diretor sueco Ruben Östlund, vencedor do prêmio Um Certain Regard, em Cannes, no ano de 2015. A direção de Östlund é rígida, com enquadramentos fixos que destacam o cenário da narrativa e, principalmente, reforçam o embaraço existente entre Ebba e Thomas a partir dessa situação. O marido reluta em aceitar que deixou sua família naquela circunstância e sua esposa tenta, de forma compreensiva, fazer com que ele admita tal ato. Mais do que uma tentativa de ajuste entre os dois, o roteiro do filme problematiza a figura do pai como protetor, ao mesmo tempo que aponta um desequilíbrio na relação entre marido e mulher. Tal discordância se torna mais presente quando Mats (Kristofer Hivju), amigo de Thomas chega ao hotel com Fanny (Fanni Metelius), uma jovem 20 anos mais nova do que ele. A reunião entre os casais demonstram as problemáticas de gênero, já que a versão de que a fuga de Thomas se deve a um aspecto instintivo encontra apoio de Mats enquanto que a versão de Ebba gera concordância e reflexão em Fanny a respeito do seu companheiro.

Feito de imagens bem elaboradas em sua composição, o filme tem uma encenação e montagem precisa. Os planos fixos e alguns enquadramentos se reiteram, como nos momentos em que eles estão no banheiro do hotel acentuando a angústia e o constrangimento presente. Há inúmeros momentos de quebra desse ritmo, especialmente realizados por sons, como o dos explosivos que geram avalanches controladas, irrompendo na narrativa e gerando um efeito de imprevisibilidade e de rememoração do fenômeno que iniciou tais discussões.

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Se as avalanches naturais podem ser controladas, como o filme demonstra, o acúmulo de dilemas provocados pela atitude de Thomas parece indomável, fazendo ruir a representação e as convenções sociais envolvidas no casamento, na criação dos filhos e no seu papel enquanto figura masculina. A masculinidade, sua fragilidade frente às relações humanas e uma tentativa de manutenção hierárquica perpassam a obra de Östlund através da dificuldade de Thomas em lidar com o ocorrido. As incertezas existenciais, a oscilação nos padrões existentes dentro das relações e suas formas de presença e preservação, acabam por delinear o filme. Por fim, o filme pôe em xeque os papéis representativos estabelecidos e a necessidade de reflexão sobre estes, algo que está presente na parte final da obra, ressaltando a força instigante e memorável do filme de Östlund.

FICHA TÉCNICA

DIREÇÃO E ROTEIRO: Ruben Östlund

DURAÇÃO: 01h58m

PAÍS: Suécia

ANO DE LANÇAMENTO: 2014

Disponível no Amazon Prime Vídeo. 

[1] Murilo Nogueira dos Anjos é mestrando do programa de pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Póscom/UFBA).

Crítica Little Fires Everywhere

Por Enoe Lopes Pontes [1]

Little Fires Everywhere, com Reese Witherspoon e Kerry Washington ...

Procurando estabelecer um clima de mistério e se aprofundar nas relações humanas, Little Fires Everywhere é uma adaptação da obra homônima de Celeste Ng. Criada e produzida por Liz Tigellar (Nashville), a série estreou no Brasil em 22 de maio, pelo canal streaming Prime Video. Com algumas modificações em relação ao livro, a produção investe em discussões raciais e sociais. Ambientada no final dos anos 1990, há uma busca por expor a visão deturpada dos privilegiados, ao passo que as personagens consideradas como minorias sociais são claras, diretas e expressivas. Este é o ponto alto do seriado, que não floreia o encaminhamento das tensões e expõe dores e lutas cotidianas de quem convive com típicos opressores.

Além de um roteiro preenchido de diálogos certeiros, uma das chaves para o bom desenvolvimento desta parte da narrativa é a construção da protagonista, interpretada por Kerry Washington (Scandal). É possível perceber, desde os detalhes até os aspectos mais gerais, como a atriz utiliza a tonicidade ao seu favor e jamais demonstra um corpo que descansa. É como se a sua Mia Warren estivesse sempre em alerta! Outro fator que chama atenção são as quebras repentinas que ela traz ao seu papel, principalmente quando deseja esconder seus sentimentos e externalizar uma aparente realidade falseada. Um exemplo são suas sequências ao lado de Elena Richardson (Reese Witherspoon). Sempre que a mesma se despede, realiza inúmeras expressões faciais, mescladas com tons de voz, que fazem o público se questionar incessantemente até onde Mia vai.

Amazon Prime divulga data de 'Little Fires Everywhere'

Contudo, apesar do texto ser afiado e pontual quando se tratam de assuntos mais políticos, os desdobramentos da trama relacionados ao mistério central e ao cruzamento das narrativas vão perdendo a força gradualmente. É como se o fogo que mora no título fosse se apagando. Desta maneira, o foco do enredo passa a se distribuir pelas histórias dos coadjuvantes, deixando de lado a chance de explorar mais extensamente a rivalidade entre Elena e Mia. Este direcionamento não seria necessariamente negativo, a contribuição dos plots do elenco secundário poderia apenas favorecer e fomentar a premissa principal. Mas, o oposto acaba acontecendo.

Algo que colabora para esta queda é a constante planificação de Elena. A sensação é de que a qualquer momento uma camada nova ou diferente surgirá. No entanto, nos primeiros minutos de exibição já é possível ter certeza de quem é aquela figura e como ela irá agir. Talvez, por esta razão, Witherspoon não vá muito além do óbvio em seu trabalho. No começo da temporada fica uma esperança de que ocorrerá um crescimento gradativo, porém o que surge como uma surpresa positiva, com uma atuação preenchida de minúcia, vai se transformando em tédio e previsibilidade, porque o amadurecimento ou a virada dela não chega jamais.

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Esta dinâmica esperável também habita elementos mais técnicos da obra. As repetidas temperaturas azuladas e avermelhadas anunciam melancolia e lembranças, juntamente com embates e discussões, respectivamente. Os símbolos não são dos mais incomuns. Contudo, no princípio, guardam consigo certo valor, pois instauram a atmosfera que será apresentada no enredo. Depois, estes significados vão morrendo e se dispersando, passando um quê de incerteza de suas presenças. Isto se confirma quando as angulações e movimentos de câmera são notados, pois estes são mais diversos em seu start mas, em seguida, vão se transformando em menos criativos.

As escolhas que mais trazem as emoções necessárias para cada momento são as da diretora Lynn Shelton (New Girl). Com travellings e panôramicas, por exemplo, a dimensão dos acontecimentos ganham um novo tom e significado. A iminência de um perigo, que ainda não se sabe o que é, permeia as cenas com maior intensidade. Dentro dessas irregularidades, o mais incômodo é o desperdício do clímax próximo da finale. Todos os esforços de Mia, os 14 anos de mudanças e um segredo escondido tão profundamente têm uma resolução simplista, algo desconexo com a progressão das personagens. Nos dois últimos episódios, o sofrimento, a angústia e as lutas vistas anteriormente, soam como irrisórias ali. Ainda assim, vale a pena acompanhar a minissérie em sua totalidade, principalmente pelo o que ela diz e como o faz discursivamente.

[1] Doutoranda em Comunicação e Cultura Contemporâneas pelo PósCom/UFBA. Pesquisadora do GRIM.

 

Crítica: O Estranho que nós Amamos

Por Wanderley Teixeira [1]

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Escrito por Thomas P. Cullinan, O Enganado foi um romance publicado em 1966 nos Estados Unidos e contava a história de um grupo de mulheres que em plena Guerra de Secessão era isolado da sociedade em um pensionato para moças localizado na Virgínia. Elas eram surpreendidas pela aparição de um soldado ferido na proximidade do casarão e o novo hóspede acabava mudando drasticamente a dinâmica entre essas personagens, que passavam a nutrir sentimentos distintos por ele enquanto aguardavam sua recuperação.

O livro de Cullinan já havia sido adaptado para os cinemas em 1971, rendendo um thriller de bastante sucesso dirigido e roteirizado por Don Siegel e protagonizado por Clint Eastwood. Em 2017, a cineasta Sofia Coppola entregou a sua versão do romance para as telas e trouxe um outro olhar para essa mesma história em uma condução que rendeu o primeiro prêmio de direção em Cannes para uma mulher. Sob o título O Estranho que nós Amamos, Coppola traz a mesma trama escrita por Cullinan cheia de pontos de atrito, reviravoltas e tensão sexual, algo que Siegel conseguiu captar muito bem na década de 1970. Porém, o que é interessante nessa versão e rende um resultado bastante singular é que a diretora faz a imersão desse material no seu tão peculiar universo cinematográfico.

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Nas mãos da diretora, O Estranho que nós Amamos se transforma em uma trama de intenções subliminares. Coppola constrói uma atmosfera de tensão ininterrupta sem que precise enfatizar muitos recursos narrativos. A diretora sempre foi uma realizadora que prezou pelo silêncio, ou seja, por aquilo que os momentos de monotonia tendem a revelar sobre suas personagens e suas circunstâncias. Aqui não seria diferente. Isoladas do mundo em uma casa retratada na obra como uma instância fantasma da sociedade coberta por névoas, as personagens femininas de O Estranho que nós Amamos estão imersas em uma rotina repetitiva que contribuem para gerar ansiedades na angustiante espera pelo fim da guerra.

A presença do misterioso soldado interpretado por Colin Farrell serve para intensificar ainda mais as expectativas individuais de mulheres de diferentes gerações retratadas na história. A fantasia de um desejo supostamente esquecido pela pragmática Srta. Martha Farmsworth de Nicole Kidman, o ideal romântico da introspectiva professora Edwina de Kirsten Dunst, a descoberta da sexualidade pela maliciosa Alicia de Elle Fanning e a saudade da figura paterna pela jovem Amy de Oona Laurence são alguns dos anseios manipulados por John McBurney (Farrell). Na verdade, McBurney só está interessado em arranjar alguma forma de se safar do serviço militar. Uma vez desestabilizado por esse elemento masculino, esse grupo de mulheres acaba revelando no terceiro e último ato um instinto de sobrevivência que as mantém protegidas e unidas em cooperação.

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O minimalismo típico de Coppola é quebrado pelo recurso estético mais chamativo desta adaptação: a fotografia de Philippe Le Sord (o mesmo de O Grande Mestre). Sem grandes intervenções técnicas, os planos do filme são estrategicamente pensados para deixar todos os seus personagens e ambientes na escuridão, permitindo que aos olhos do espectador só seja possível vislumbrar silhuetas que a luz das janelas e das velas permitem revelar. Isso ajuda a criar um tom soturno, mas também acaba contribuindo no intenso e, por vezes, velado jogo de sedução entre McBurney e as mulheres do internato da Srta Farmsworth.

O Estranho que nós Amamos é um projeto desafiador para Coppola, que dialoga aqui de maneira mais direta com as marcas de um gênero cinematográfico. No entanto, é um trabalho que permite a diretora trazer toda essa narrativa conformada por regras tão replicadas no cinema e em outras plataformas para o seu olhar tão próprio sobre temas como a solidão e a cumplicidade entre mulheres.

O filme está disponível no catálogo da Netflix.

[1] Wanderley Teixeira é doutorando em Comunicação e Cultura Contemporâneas pelo PósCom/UFBA. Pesquisador do GRIM.

   Crítica The Politician

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Por Enoe Lopes Pontes [1] 

Criada por Ryan Murphy (American Horror Story), a serie The Politician é uma produção da Netflix, que narra a vida de um jovem estudante que sonha em ser presidente dos Estados Unidos. A própria premissa já pode preocupar os espectadores um pouco mais focados em questões sociais. Contudo, ao ver o nome de Murphy como showrunner a sensação de encontrar mais uma trama batida se desfaz e fica certa esperança de que a abordagem dos conteúdos políticos sejam vistos sob um olhar mais crítico.

Contudo, por mais que Ryan Murphy insista em proclamar a sua sensibilidade diante das chamadas minorias sociais, lhe falta alguns traços de lucidez em relação a esta sua vontade.  Com a rara exceção do seriado Pose, o artista peca em seus trabalhos por imprimir estereótipos um tanto machistas, fazendo, por exemplo, figuras femininas acima tom, que se enervam de maneira “aguda”, revelando a visão misógina em relação às mulheres. Outro fator é como ele joga para escanteio personagens negras que são constantemente subaproveitadas no enredo e, em alguns casos, como em The Politician, “esquecidas” na história.

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Estes elementos podem ser vistos não apenas no discurso da obra, mas em elementos técnicos como em enquadramentos, temperaturas e movimentos de câmera. O foco está na maior parte do tempo no menino branco no qual a história é centrada e seu tempo de tela em maior, ainda que em sequências de contracena. Resta, assim, somente uma sensação de que nada mais importa além do protagonista Payton Hobart (Bem Platt) e que, assim como ele mesmo pensa, tudo gira ao seu redor. A noção de egoísmo e individualismo de um homem branco privilegiado poderia ter entrado apenas com uma visão crítica e isto justificaria, talvez, o enviesamento. Porque ao mesmo tempo que o olhar vai para o rapaz, lampejos de força e nó estão em outras pessoas, que ficam à margem. Além disso, Murphy parece reforçar padrões normativos da sociedade.

Quando importa mesmo, Hobart procura se afiliar em um relacionamento heteronormativo, com a Alice (Julia Schlaefer) e fazer alianças com uma jovem branca heterossexual, a Infinity Jackson (Zoey Deutsch). Inclusive, estas duas personagens são extremamente inconstantes na narrativa. Ambas parecem ser o ponto de equilíbrio e desconforto de Payton, mas os conflitos que elas trazem e possuem somem e desvanecem recorrentemente. Os micro plots desviam o olhar da história principal, que também não tem muito para onde ir e poderia ser um filme de 70 minutos. A grande complicação parece ser a de Payton Hobart vencer a disputa eleitoral de seu colégio. Como isto não se sustenta, outras problemáticas são postas, mas elas não fomentam a discussão principal e não movem o protagonista.

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Este fator se confirma quando um pouco antes da temporada terminar, os roteiristas eliminam a importância das peripécias e dores vividas durante a produção e criam uma nova problemática, numa espécie de reset. Esta ausência de vigor da escrita faz com que o ritmo não se estabeleça e nem pode-se dizer que este é fraco, porque a questão aqui é que o fio condutor se quebra, antes que uma dinâmica fluida possa ser elaborada de maneira rítmica.

Para além das questões políticas, alguns elementos provocam incômodo, no geral. O fato do candy color ser utilizado para transmitir um ar de juventude e falhar, pois é difícil de acreditar que os atores na tela estão no ensino médio ou que há leveza juvenil, seja pelos diálogos ou posturas corporais. Além disto, as vontades e motivações das personagens criam um distanciamento com espectador e isto é reforçado nas escolhas da equipe, como um desgaste na utilização de foco/desfoco, que cansa, pois não está ali para ajudar a criar nada para o conteúdo em si, os zoom in/zoom out recorrentes e as pontas soltas do roteiro que procuram criar tensão, mas são negadas insistentemente.

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Um dos destaques positivos, porém, é a presença de Gwyneth Paltrow (Glee), que traz para suas cenas uma tonalidade que quebra a artificialidade da atuação dos outros intérpretes. Paltrow consegue performar o tom sarcástico necessário para o que a obra busca, mas faz isso com delicadeza, trazendo sonoridades e tempos múltiplos, sem entrar numa espécie de “música” ou sendo monocórdica, como acontece com todos os atores com os quais ela contracena. Já Jessica Lange fica apagada diante de toda a quantidade de reviravoltas e situações que fogem do fio narrativo principal. Além disso, ela parece performar uma caricatura de seus outros papeis com Murphy, em American Horror Story. É como se fosse uma Constance Langdon, menos esperta e mais sulista.

O que estas decisões transmitem é uma oportunidade de testar uma estética e estilos, mas que acabam tornando a experiência enfadonha. Desta maneira, The Politician procura evocar cores, jogos cênicos, quadros e sequências intensas, mas causam cansaço e distração.

 

 

[1] Doutoranda em Comunicação e Cultura Contemporâneas pelo PósCom/UFBA. Pesquisadora do GRIM.

Crítica: Rocketman

Por Larissa Neves

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Adentrando a um encontro terapêutico do que aparenta ser uma espécie de Alcoólicos Anônimos deparamo-nos à primeira vista com uma figura excêntrica, irritadiça e por vezes cínica, que trajando uma alegoria de diabo flamejante, confronta suas emoções ao rememorar passagens da jornada de Reginald Dwight, menino tímido do subúrbio londrino até os desdobramentos nocivos do estrelato meteórico daquele que virá a ser conhecido mundialmente como o Sir. Elton John, eis o mote para a cine biografia com ares de musical intitulada no Brasil como Rocketman.

A alardeada promessa contida no título, da fantasia que se tangibilizará enquanto realidade, concretiza-se gradualmente na trama, do passar da infância reprimida do tanto desacreditado pianista mirim concebido em escolhas estéticas que privilegiam cenas com tons e emoções esmaecidas.

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À descoberta de uma peculiar persona artística forjada por uma explosão de cores, brilhos, muitas caras e bocas que transmitem a energia de suas suntuosas performances como também a atmosfera de ousadia e reinvenção próprias da borbulhante e também por isso, caótica década de 70, momento de seu apogeu criativo.

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A discografia repleta de hits atua como componente mágico que permeia com letras e melodia as percepções subjetivas do retratado acerca da sua ascensão, ápice, declínio e ressurgimento, garantindo alguns momentos de puro lirismo, tal qual a cena da tentativa de suicídio, em que o astro já consumido pelas inúmeras dependências químicas e emocionais se lança dopado à piscina ao som de Rocket Man:

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Já pode cantarolar mentalmente: “And I think it’s gonna be a long, long, time…” pois o que se passa lentamente nos minutos adiante é o seu submergir – sim, em câmera lenta – numa encenação coberta de simbolismos, pois então, as canções de Elton nunca se fizeram tão sentidas como nesta obra.

Entrevista: Max Valarezo (Entre Planos)

Max Valarezo

por Murilo Nogueira dos Anjos e Wanderley Teixeira*

Com mais de 249 mil inscritos em seu canal no YouTube, Max Valarezo acabou se tornando referência na produção de críticas de cinema no Brasil com a produção de vídeos ensaio. Criado em 2015, o Entre Planos já tem  mais de 11 milhões de visualizações. Na entrevista realizada pelo grupo de pesquisa, Valarezo faz um panorama do cenário atual da crítica de cinema e reflete sobre o seu processo de criação em um formato de conteúdo que tem começado a se popularizar no Brasil.

Grim: Em meio a essa proliferação de discursos sobre cinema que existe na era digital, é uma dificuldade ser notado como crítico hoje em dia? O que é que dá “singularidade” e garante a popularidade do conteúdo do Entre Planos na sua opinião?

Max Valarezo: Acredito que seja sim difícil ser notado como crítico numa era em que milhões de pessoas podem postar suas opiniões sobre filmes na internet com tanta facilidade (um cenário que acho fantástico, a propósito). Mas em meio a tantas opiniões, não é fácil se destacar quando se começa do zero.

No meu caso, acredito que o EntrePlanos conseguiu se destacar por dois fatores principais. O primeiro é o formato: quando comecei a fazer vídeos-ensaios, não havia nenhum canal brasileiro grande que falasse sobre cinema com esse formato (embora desconfio que canais pequenos que eu não conheço devam ter feito isso antes de mim). E o segundo fator é a minha abordagem das pautas. Enquanto o “padrão” de canais de cinema era fazer ou listas ou críticas das estreias da semana, eu procurei fazer algo diferente. Quis fazer textos longos, aprofundados e com muita pesquisa. Comecei a falar de filmes de qualquer época e gênero. Fiz não apenas análises e interpretações, como também vídeos inteiramente dedicados à história do cinema ou a certas técnicas cinematográficas. Ou seja, meu conteúdo deixava claro que eu estudo muito para falar de cinema, ele mostrava que eu estava tentando dizer coisas diferentes e produzir algo que somente eu conseguiria produzir.

Então talvez a combinação do formato “novo” com a minha abordagem mais “estudiosa” tenha feito com que meu trabalho parecesse algo diferente em meio a tantos produtores online que faziam vídeos que compartilhavam entre si a mesma lógica de conteúdo.

Grim: Para você, como é a convivência dessas múltiplas possibilidades de produção de discurso crítico (sites, redes sociais, vídeo) por tantos agentes diferentes (muitas vezes de gerações distintas)? Nesse cenário plural há mais tensões ou diálogos entre os críticos e entre a crítica e o público?

Max Valarezo: Sem dúvidas, essa pluralidade imensa de vozes fazendo crítica de cinema traz uma variedade enorme de visões sobre como falar sobre cinema. Se antes da internet apenas alguns críticos ficavam famosos, era normal que o público achasse que a forma como esses críticos falavam de filmes era o “normal”. Muita gente deveria olhar para Roger Ebert ou Rubens Ewald Filho (recentemente falecido, infelizmente) e achar que o estilo deles de analisar filmes era “a forma certa” de criticar.

Agora, com a internet, temos muito mais críticos se tornando famosos, e nem sempre eles vão compartilhar a mesma filosofia sobre crítica de cinema. Alguns podem ter uma visão mais formalista (estilo Roger Ebert), outros podem ter uma visão mais acadêmica (estilo André Bazin), por exemplo. E quando o público tem um contato tão próximo com estilos tão variados de fazer crítica, ele acaba vendo que esse exercício intelectual pode ser feito com raciocínios muito diferentes. Tudo isso só enriquece o debate sobre crítica e sobre cinema.

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Grim: Sites como o YouTube trouxeram ou ao menos possibilitaram a popularização da crítica em vídeo. Como você pensa esse tipo de produção? A crítica audiovisual é uma extensão, ruptura ou continuidade do discurso crítico escrito, há uma diferença entre ela e outro tipo de produção crítica (resenhas de jornais ou críticas acadêmicas, por exemplo)?

Max Valarezo: Em termos de texto, não acho que crítica em vídeo seja inerentemente diferente de uma publicada em meio impresso. Se você pegar algumas críticas em vídeo, vai perceber que ela poderia perfeitamente ter sido publicada como um texto impresso, porque a fala no vídeo segue o mesmo formato da tradicional crítica impressa (um exemplo é o trabalho do Tiago Belotti com o canal Meus 2 Centavos). Trabalhos assim podem ser vistos então como uma continuidade da crítica escrita.

Já outras críticas conscientemente se aproveitam da linguagem audiovisual para fazerem com que imagens e sons de filmes sejam uma parte integral do discurso do vídeo. Ou seja, são críticas que para fazerem sentido total, só podem ser consumidas no formato de vídeo, porque as imagens e os sons dos filmes apresentados são parte essencial da experiência que o crítico quer proporcionar. E é esse tipo de trabalho que eu tento fazer com o EntrePlanos. Trabalhos assim podem ser vistos então como uma extensão da crítica escrita.

Mas também não dá para ignorar que a linguagem do vídeo traz, por natureza, uma presença do crítico muito maior como pessoa. Afinal, uma crítica em texto é, essencialmente, uma série de palavras impressas. Sensorialmente, é algo muito impessoal. Já a crítica em texto costuma contar ou com o áudio da voz do crítico, ou com a imagem dele aparecendo na câmera, ou com os dois elementos juntos. Então, sensorialmente, é uma crítica que já parece muito mais personalizada, no sentido em que o texto apresentado no vídeo é entregue por elementos visuais e auditivos muito humanos (ao contrário de uma série de palavras impressas na tela ou na página). Nesse sentido, a crítica em vídeo é uma espécie de ruptura com a experiência proporcionada pela crítica escrita.

Então, de certa forma, dá para defender que a crítica em vídeo pode ser tudo o que foi listado na pergunta acima: uma continuidade, uma extensão e uma ruptura com a crítica escrita.

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Grim: Você já conseguiu definir um perfil dos espectadores do seu canal? Qual seria ele? Podemos ter acesso a dados socio econômicos desse público, como idade, região do país, gênero?

Max Valarezo: Eu só tenho acesso aos dados demográficos que o YouTube me fornece: gênero e idade. Seguem aqui dois print screens com os dados referentes ao público do EntrePlanos nessas duas categorias.

 

Grim: Antes o crítico se relacionava pouco com seus leitores, tendo um retorno deles apenas quando tinha acesso às cartas dos leitores, e mesmo assim era um processo extremamente filtrado. Hoje, vocês estão “vulneráveis” ao contradiscurso e até precisam da ação dos receptores desses conteúdos para obter ganhos com essa produção. Como é que você avalia sua relação com o público?  O perfil que você tem dele assim como o retorno que ele lhe dá sobre os vídeos de alguma maneira norteia a concepção da sua produção?

Max Valarezo: De forma geral, acredito que minha relação com o público do EntrePlanos é muito positiva. Dá para ver que a enorme maioria gosta muito dos vídeos, elogiam muito e parecem constantemente se surpreender a cada novo vídeo. O retorno deles é sempre muito entusiasmado e também muito educado. Até mesmo quando vários discordam de mim, a maior parte deles faz isso de maneira respeitosa, o que é uma raridade na internet. Obviamente, sempre há aqueles que são odiosos e mal-educados, mas felizmente eles são minoria no meu público.

Mas também não diria muito que baseio muito a concepção dos meus vídeos no que o público diz. Por exemplo: é muito comum que eles peçam por temas específicos de vídeo, mas eu não costumo atender esses pedidos. Não significa que eu não valorize o que eles têm a dizer. Na verdade, eu faço isso muito mais com a intenção de manter o elemento surpresa no EntrePlanos: eu prefiro sempre fazer os temas que eu penso que seriam diferentes e interessantes. Se eu apenas entregasse o que o público pede e espera, eu não conseguiria surpreendê-los com uma pauta inesperada ou diferente. E isso é algo que muitos inscritos já falaram que gostam muito no EntrePlanos: a originalidade das pautas.

Mas é óbvio que eu também valorizo muito o que o público fala, e, de vez em quando, as opiniões deles moldam sim os rumos do canal. Por exemplo: muitos sempre pediram para que eu produzisse mais conteúdo sobre cinema nacional. Isso já era algo que eu tinha em mente, e ver tantas pessoas pedindo por isso só reforçou para mim que eu de fato deveria fazer mais vídeos sobre filmes brasileiros. E é algo que estou me esforçando cada vez mais para entregar.

Grim: Alguns realizadores de vídeo-ensaios costumam relatar problemas com direitos autorais pelo uso de imagens da obra. Você passa por esse tipo de situação? Em caso positivo, como faz para solucionar isso?

Max Valarezo: Sim, isso realmente acontece. Mas comigo ocorre bem de vez em quando. E quando acontece, o máximo que fazem é tirar a monetização do vídeo. Nesses casos, costumo contestar. Às vezes dá certo e retiram a notificação de direito autoral. Outras vezes, recusam e mantêm a desmonetização.

Grim: Em meio a tantas plataformas de vídeo, você escolheu o YouTube para fazer o upload de suas críticas audiovisuais. Por que o site lhe pareceu mais atrativo para veiculação das suas produções em detrimento de plataformas como o Vimeo ou o Dailymotion, por exemplo?

Max Valarezo: Simples, o fato do YouTube ser, de longe, a plataforma de vídeos mais popular do mundo. Escolhi esse site porque saberia que era lá que haveria mais público para ouvir o que eu tinha a dizer.

Grim: Que forma de monetização você utiliza para seus vídeos? Como os espectadores do seu canal costumam enxergar a questão da publicidade no EntrePlanos?

Max Valarezo: Costumo monetizar os vídeos de duas formas: com o adsense do YouTube (aquelas propagandas inseridas automaticamente pela plataforma); e com publicidade direta, ou seja, quando uma marca vem falar comigo e negociamos para que eu a divulgue. E isso tem funcionado bem, não costumo ver o público do canal reclamando das propagandas que faço. Pelo contrário, elas parecem ser muito bem recebidas, com as pessoas comentando sobre os produtos e os anunciantes de maneira receptiva.

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Grim: Como se dá o processo de concepção dos vídeos (definição de pautas, planejamento do organograma, pesquisa de informações, softwares e equipamentos utilizados)? Poderia nos relatar como costuma ser todo esse processo de pré e pós produção dos vídeos?

Max Valarezo: Essencialmente, escolho as pautas baseado em três perguntas centrais: a) estou empolgado para falar desse assunto? b) Eu vou aprender algo novo produzindo este vídeo? c) Este vídeo vai trazer uma perspectiva nova e diferente sobre o tema? Caso a resposta seja sim para as três perguntas, eu acrescento o tema na lista de pautas.

Esse processo logo se une à pesquisa para preparar o vídeo. Normalmente dedico entre um e dois dias para pesquisar. Isso inclui: ver os filmes que forem necessários, ler artigos online, ler textos em sites, ver vídeos, etc. Depois dedico mais um ou dois dias para escrever o roteiro. E em seguida preciso de mais um dia para gravar a narração e fazer anotações no roteiro para orientar meus editores sobre detalhes que quero que eles acrescentem na montagem.

A próxima é etapa é a edição, que fica nas mãos dos dois editores que contrato. Eles se alternam, cada um fica responsável por um vídeo só, e enquanto eles editam, eu já estou preparando o próximo roteiro. Normalmente, eles precisam de dois a três dias para montarem uma primeira versão, que eles me enviam. A partir daí, começa o processo de revisão, no qual eu mando anotações com pedidos de alteração, e eles vão me enviando novas versões do vídeo até ele ficar do jeito que quero. Terminada essa etapa, é feito o upload no YouTube, para que eu possa configurar os dados dele e em seguida publicá-lo na quinta-feira.

Grim: Qual a importância do processo de edição dos seus vídeos?

Max Valarezo: Fundamental. A edição é um dos elementos mais importantes pro formato que eu utilizo, já que ela precisa ser ágil, ilustrativa e bem executada. E a forma como editamos nossos vídeos sempre faz com que a compreensão do meu roteiro fique ainda mais fácil.

Grim: Dando uma olhada na produção do canal, notamos uma tímida presença do cinema nacional? Por que? Pensa em dar mais atenção a essas obras?

Max Valarezo: De fato, eu produzi poucos vídeos sobre cinema brasileiro, principalmente porque sinto que ainda preciso melhorar meu repertório de filmes nacionais. E como comentei em uma das perguntas anteriores, estou fazendo um esforço consciente para tentar produzir mais roteiros sobre cinema nacional (mês passado lancei uma análise sobre o recente “Temporada”, de André Novais, por exemplo).

Grim: Para você, qual a importância da crítica na formação do público de cinema?

Max Valarezo: Quando bem feita, acredito que a crítica de cinema não só pode informar mais o público sobre como os filmes são feitos e como eles expressam artisticamente (técnica, interpretação, etc.), mas também pode trazer mais repertório. É comum ver críticos inserindo em suas críticas certas referências a outros cineastas, a movimentos artísticos, a filmes, a atores, etc. Nesse sentido, o crítico pode atuar também como uma espécie de cartógrafo que ajuda o público a navegar com mais facilidade no mundo do cinema.

*Entrevista realizada no dia 20 de junho de 2019

Crítica: Assunto de Família

Por Murilo Nogueira dos Anjos

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Na primeira cena de Assunto de Família, do diretor Hirokazu Koreeda, observamos uma ação controversa. Osamu (Lily Franky) e Shota (Jyo Kairi), pai e filho, realizam um furto em um supermercado de forma muito eficaz. Ao chegarem em casa com os produtos extraviados, os outros entes familiares mexem e perguntam sobre os objetos roubados, com uma certa naturalidade, em que percebe-se, o quão comum esse ato é para eles.

Cada membro da família subsiste de uma forma diferente. Hatsue (Kiki Kirin), a matriarca, vive da pensão e de auxílios regulares do filho que vive em outra casa. Osamu, para além dos pequenos delitos, trabalha na construção civil e é casado com Nobuyo (Sakura Andô), funcionária de uma lavanderia. Já Aki (Mayu Matsuoka), a irmã mais nova, se apresenta regularmente de forma erótica em uma cabine.

Algo muito perceptível no seio familiar desta família é a convivência afetuosa e fraterna entre eles, que nos apela à uma compaixão por esses personagens, ao mesmo tempo em que nos coloca em uma situação de ambiguidade moral, pois esses sentimentos se contrapõem às falhas morais demonstradas por eles ao longo da obra. Essa ambivalência ganha força quando Osamu e Shota se deparam com Yuri, uma pequena criança desamparada em uma casa abandonada na vizinhança. Após um tempo com a criança, a família decide ficar com a jovem, percebendo o ambiente hostil em que ela vive. Tal ato se configura como um rapto, porém, a afeição da garota pela acolhida deles não gera dúvida na família de que a permanência dela na casa seja a melhor decisão a se tomar.

 

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O refúgio da menina junto a família vai reafirmar a existência de uma afetividade vívida, sendo possível enxergar, nessa relação, as duas acepções que a palavra familiar tem. Por um lado, há algo íntimo, essencial, reforçado pelo uso de planos com enquadramentos próximos, que amplificam as interpretações singulares do elenco, gerando uma identificação com aqueles personagens. De outro modo, os percebemos, aparentemente, como uma família consonante, algo que o roteiro, também realizado por Koreeda, vai tratar de revelar sob uma imprevista ótica.

A obra traz a pequena Yuri como detentora de uma inocência pueril que encanta a todos. Como contraste a esse bem-estar causado por essa chegada, não demora muito tempo para que ela seja utilizada, assim como Shota, nos pequenos delitos em que este participa, o que eleva o nosso desconforto frente a precariedade moral dos membros do clã, no qual destaca-se, como ponto importante para o desfecho do filme, as tensões entre as virtudes da menina e o ciclo vicioso presente no meio em que ela vive atualmente.

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Assim, o vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2018, consegue ao mesmo tempo tratar sobre questões econômicas que atravessam os sujeitos e suas relações, onde estes acabam se unindo por conveniência ou apoio mútuo, bem como mostra, de forma minuciosa, os detalhes dos laços afetivos de um âmbito familiar. Uma cena que exemplifica bem essa preocupação com o outro surge quando Hatsue, a avó da família, reconhece o estado de espírito da neta ao tocar os pés desta. São nuances como esta que potencializam a obra de Koreeda, com sua narrativa humanista, de forte cunho social, e com sutilezas que progridem pouco a pouco para uma parte final surpreendente.

Ficha Técnica:

Diretor: Hirokazu Koreeda

Roteiro: Hirokazu Koreeda

Duração: 02h01m

País: Japão

Ano de lançamento: 2018

Crítica: Minha Vida de Abobrinha

por Amanda Maria Dultra

Você já se perguntou o que de imaterial herdamos de nossa criação? O que está escondido sob a nossa pele, esquecido entre camadas de traumas que ultrapassamos? Uma vez adultos, nós perdoamos as circunstâncias pois sobrevivemos. Tudo está no passado e não temos que pensar de novo até a consulta da semana que vem com o psiquiatra. Mas quando somos crianças e não entendemos essa herança?

Courgette sentado sozinho no quarto (Crédito: Gébéka Films)

Ma vie de Courgette (Minha Vida de Abobrinha em Português, 2016) joga luz na percepção infantil sobre o abuso parental e como esse afeta nosso discernimento do mundo. Baseado no romance “Autobiographie d’une Courgette” de Gilles Paris, o filme franco-helvético conta a história do menino de nove anos Icare – ou Courgette, como ele prefere ser chamado, o qual, após um acidente com sua mãe, é relocado ao orfanato Les Fontaines.

Cartaz brasileiro do filme

Courgette é retraído, vulnerável, e inseguro, resultado de sabe-se-lá-quanto-tempo de agressões. Seu mundo descolorido é composto por latas de cervejas, promessas de dias melhores, e uma janela pequena para o exterior. Quando ele é retirado desse lugar precário para um ambiente onde ele teria o acompanhamento necessário para prosperar, a melhoria não é imediata. É um processo lento e tortuoso que envolve também o resto do elenco.

O filme, realizado inteiramente por animação em stop-motion, é marcado pelo contraste entre os jovens personagens e as situações desconfortáveis e adultas pelas quais eles passam. Todos têm uma história para contar, e a direção de Claude Barras acentua os detalhes mais pungentes com maestria pela composição colorida das crianças em objeção às vozes francas que mencionam com confusão os abusos sofridos no passado.

Todas as crianças de Les Fontaines (Crédito: Gébéka Films)

A trilha sonora acompanha com sutileza a narrativa, complementando a carga emocional sem atingir a pieguice. Os diálogos são muito verossímeis, aproximando-se bastante a como uma criança se expressa, além de serem realizados por excelentes intérpretes, com destaque ao ator principal, Gaspard Schlatter, por sua representação muitíssimo convincente. A narrativa não precisa explicar seus acontecimentos, provendo uma construção de mundo convincente bem-estabelecida por trechos de conversas e pelo arranjo competente das cenas.

Minha Vida de Abobrinha é uma observação sincera dos diferentes tipos de criações e que efeitos se desdobram nas constituições das crianças. Terminando numa nota positiva, porém, a obra nos lembra que não precisamos nos prender a essas ausências passadas, pois, afinal, podemos continuar crescendo.

Ficha Técnica:

Diretores: Claude Barras

Roteiro: Claude Barras/Gilles Paris (autor do livro)

Adaptação: Autobiographie d’une Courgette

Produção: Rita Productions, Blue Spirit Productions, Gébéka Films, KNM

Duração:1h05m

Países: França e Suíça

Ano: 2016 

Intérpretes principais: Gaspard Schlatter, Sixtine Murat, Paulin Jaccound, e Michel Vuillermoz

Crítica: Pequena Grande Vida

por Larissa Neves*

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Downsizing é um conceito oriundo da administração e se refere a uma técnica de redução de custos ou de pessoal, amplamente utilizada desde a década de 70 para aumentar a competitividade em mercados globais.

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A escolha do termo para dar o título americano ao filme não poderia ser mais apropriada, afinal o longa baseia-se no argumento de que a obtenção – e posterior popularização – da tecnologia capaz de reduzir proporcionalmente em 0,0364% o tamanho real dos corpos humanos seria a solução capaz de frear os impactos socioambientais causados em virtude da superpopulação humana no planeta.

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Mas, não só isso, estar em dimensões diminutas facilitaria o acesso a um novo e desejado mundo: a Lazerlândia, protótipo da vida perfeita e do consumo idealizado, em que, 52 mil dólares se tornariam 12,5 milhões de dólares (!), a exemplo. Assim, diminuir fisicamente para multiplicar financeiramente torna-se uma opção sedutora para grande parte dos cidadãos médio americanos, incluindo entre estes, o jovem e ainda casal Srº e Srª Safranek vividos pelos atores Matt Damon e Kristen Wigg.

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Esta é a premissa alardeada durante todo o trailer e exibida minuciosamente (perdão pelo trocadilho) durante mais da primeira metade do longa: as inúmeras vantagens oferecidas que levarão o casal até a sala de cirurgia, momento decisivo de submeter-se a redução irreversivelmente.

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O que se vê em diante, representa uma mudança nos planos de Paul, pois, após aderir ao procedimento o personagem se depara com a desistência de sua esposa, lançando o assim protagonista a uma existência materialmente confortável, porém vazia de sentido.

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A narrativa debruça-se então sobre o cotidiano e os desencontros deste ser que entediado não encontra propósito de vida, até o momento em que cansado da mesmice aceita o convite para participar de uma das inúmeras festas realizadas no apartamento do seu vizinho, o inusitado, Dusan Mirkovic interpretado por Christoph Waltz.

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Este acontecimento aparentemente banal, assim como outros tantos exibidos na tela, será o mote de ligação entre Paul e o novo eixo de atenção da obra, visto que, na manhã seguinte pós -festa ao acordar de ressaca acompanha – ainda jogado no chão da sala – o trabalho da equipe de faxineiras terceirizadas contratadas por Dusan, aumentando sua curiosidade sobre as atitudes peculiares de uma delas,  a ativista Ngoc Lan Tran vivida pela atriz Tailandesa Hong Chau.

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O encontro entre eles é marcado por situações de humor – ainda que forçado –  em virtude do inglês rudimentar da personagem (o que denotaria aos olhos do público engajado dos dias recentes um reforço dos estereótipos asiáticos no cinema) e de certo estranhamento afinal desconhecidos se unem ao acaso para ajudar uma terceira pessoa em questão, cuja morte veremos, já é dada como certa.

Interessante notar o quanto o encontro entre Paul e Ngoc funciona como um marco político, estético e sentimental na obra, seja nos momentos em diante, em que as cores frias e tons pasteis dão lugar a tons quentes;  o clima ameno de Lazerlândia cede espaço a abafada periferia a qual vive Ngoc; além da inserção de temas terceiro-mundistas pouco explorados em comédias norte americanas a exemplo da fome, ajuda humanitária, perseguição étnico racial, e até mesmo a expansão da fé neopentecostal que aparece também como pano de fundo para acalentar a vivência sofrida daqueles tipos humanos segregados.

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A cena qual Ngoc e Paul atravessam o túnel é uma das metáforas visuais que melhor expressam a nova dimensão a qual incide sob a obra.

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A esta altura do filme, a impressão que se tem como espectador é que trata-se de uma nova história – o que gera certa frustação por não ter sido revelado absolutamente nada a respeito desta nova atmosfera no trailer – na tradução do título para o português o Downsizing foi substituído por Pequena Grande Vida: Algo Maior te Esperaarrisco-me a dizer que talvez essa seja a deixa para captar o sentido do filme, retratar a desilusão com os projetos megalomaníacos  de salvação da humanidade em detrimento da importância da ação diária de formiguinhas (rs!) como o compassivo Paul e a imperativa Ngoc na resolução das necessidades básicas de outrem com vistas a manutenção da inefável existência humana.

Bem piegas.

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*Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas (POSCOM/UFBA)